“Os próprios japoneses não preservam a tradição”, afirma imigrante

Dez da manhã de uma sexta-feira de março. Cinco idosos estão calmamente sentados na biblioteca do Bunkyo – nome dado às instalações da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, sediada no bairro da Liberdade.

Enquanto lêem jornais e livros em japonês, podemos observar a quantidade de títulos existentes na biblioteca. As estantes abrigam romances, vídeos, revistas, jornais, mangás. A maioria disponível no idioma nipônico. A sala ampla e bem iluminada conta ainda com grandes mesas de estudo decoradas com pequenas orquídeas ao centro.

Curiosamente, os presentes estão sentados em mesas distintas. O silêncio é imprescindível. Aliás, a tranqüilidade característica do povo oriental se personifica entre os visitantes do Bunkyo já na portaria. Sem esquecer que estamos a poucos metros da Radial Leste. O silêncio e o ruído do tráfego convivem em harmonia na região

É neste ambiente que conversamos com Tsuyoshi Ishibashi. Responsável pela biblioteca, o simpático senhor que conhece cada item do acervo como quem conhece a um filho. Ele revela que a Liberdade hoje é muito diferente da época em que chegou à São Paulo.

Durante a busca por materiais sobre a cultura japonesa em língua portuguesa entre os corredores, conhecemos um pouco mais deste imigrante.

Japão Paulistano – Quem visita hoje o Bunkyo?

Tsuyoshi Ishibashi – Vocês podem notar que são poucas pessoas que vêm aqui. A maioria são idosos que procuram se informar da comunidade tanto aqui como no Japão. O número tem caído.

JP – Os jovens procuram a biblioteca?

Ishibashi – Quase ninguém. Só mesmo os idosos. E mesmo entre eles, a freqüência diminuiu.

JP – Como o senhor explica essa queda?

Ishibashi – É que muitos filhos e netos de japoneses nem sabem o idioma. É muito triste. Não tem desculpa. E os mais velhos acabam morrendo. Assim, menos pessoas vêm aqui. E nessas prateleiras está a nossa cultura. Mas se um descendente de japonês não sabe a língua, ele não vai conseguir entender o espírito que tem nesses livros porque não dá pra traduzir a cultura. E ela vai sumindo aos poucos.

JP – O número de japoneses na Liberdade também diminuiu.

Ishibashi – A Liberdade está sendo tomada pelos chineses e coreanos. Mas não acabou. A japonesada é igual a tiririca, estão em todos os lugares. O bairro aqui ainda é o centro onde todos se encontram.

O bibliotecário pede uma pausa para atender aos novos visitantes. Enquanto isso, deixa alguns livros sobre a ocupação da Liberdade. O bairro fora escolhido estrategicamente pelos primeiros imigrantes porque está localizado junto ao centro, o que facilitava a locomoção para seus locais de trabalho. Depois da década de 1970 com a construção da Radial Leste, muitos japoneses mudaram-se para outros bairros, mas continuam freqüentando a região.

JP – Quando o senhor percebeu a mudança na cultura japonesa?

Ishibashi – Os japoneses estão mudados desde o final da Segunda Guerra. Até mesmo no Japão. Os próprios japoneses já não preservam as tradições, os costumes. Eu ainda orientei meus filhos como aprendi. Sempre orientando para que eles estudassem. Eles até chegaram a começar a faculdade, mas hoje trabalham com música no exterior. A gente sabe que é difícil sobreviver de arte, mas eles gostam do que estão fazendo.

JP – O senhor mora na Liberdade?

Ishibashi – Não. Eu moro em Higienópolis e venho aqui sempre. Eu gosto deste lugar.

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